A
notícia mais remota da existência de um teatro em Alenquer é-nos dada
pelo grande liberal e estadista alenquerense Bento Pereira do Carmo e
remonta aos anos de 1840 ou 1841.
Por
este tempo, existia na Vila Alta um grande edifício público, situado
nas traseiras dos actuais Paços do Concelho (e que foi aliás demolido em
1885 para que estes pudessem ser construídos), que era o Celeiro das Jugadas.
Jugada era um imposto que recaía sobre a propriedade agrícola e era
nesse edifício que era cobrado ou recolhido em géneros. Deixando de
servir para o propósito inicial, com o triunfo do Liberalismo, as suas
dependências foram aproveitadas para vários fins, entre os quais
tribunal, quartel e também teatro, o que motivou as seguintes palavras
de Pereira do Carmo:
“Pode-se
dizer na verdade que este edifício foi argamassado com o suor e
lágrimas dos habitantes do município que hoje se desforram da passada
tirania dançando, cantando e representando, nesta mesma casa aonde os
curiosos da vila fundaram e sustentam o seu teatro particular”.
Mas a utilização recreativa do Celeiro
não teria ainda carácter oficial, razão porque só na sessão
extraordinária da Câmara Municipal de 23 de Dezembro de 1844 foi
presente um requerimento assinado por diversos cidadãos deste concelho
pedindo o celeiro das extintas Jugadas para se estabelecer um teatro. A
Câmara deliberou deferir a pretensão, que entretanto ficaria sujeita à
aprovação do Conselho de Distrito.
Dez anos mais tarde, em 1854, o mesmo grupo, já sob a designação de Sociedade Dramática, lá se encontrava fazendo as suas récitas.
Em
1862 José Maria da Conceição, director da sociedade, fez um
requerimento à Câmara a propósito de umas obras no teatro, obras essas
que se relacionam decerto com aquilo que descreve Guilherme Henriques:
“é certo que em 1863 se construiu aí um lindo teatrinho que embora nunca
tivesse cenário efectivo, nem maquinismo, serviu durante alguns anos
para a representação de peças de grande merecimento e que, até, exigiam
estes acessórios, cuja falta era suprida segundo a habilidade dos
directores-amadores”. E acrescenta: “O Taborda, o Dias e outros actores
célebres daquela época pisaram o seu palco”.
Em
1885, como foi referido, o edifício foi demolido, o que levou os
amadores alenquerenses a pensar noutra solução. Em 5 de Agosto de 1891 o
Dr. José Maria Pinto da Costa, na qualidade de representante da
Sociedade Dramática de Alenquer, apresenta em sessão de Câmara uma
planta, acompanhada de requerimento, para a construção de um teatro no
prédio pertencente à Misericórdia, na então Rua Direita da Praça, onde
também já se instalara o Clube Alenquerense.
O
pedido foi deferido e a sua construção financiada através de subscrição
de acções. Em Novembro do mesmo ano há notícia de que as obras
encontravam-se já “bastante adiantadas”.
O
autor da planta e director das obras será José Juvêncio da Silva, que
já assinara em Alenquer projectos tão importantes como os dos Paços do
Concelho e da Fábrica da Chemina.
Manuel
José Gonçalves Viana, professor da Escola de Desenho Industrial Damião
de Góis, dirigirá os trabalhos de decoração da sala, coadjuvado por Luís
de Azambuja.
Em
Março de 1892 os trabalhos estão quase concluídos. Mas só depois de
Gonçalves Viana ter concluído o arco do proscénio e respectiva
bambolina, assim como o pano de boca, em 12 de Fevereiro de 1893, é que
se fez a primeira representação, de um drama de Pinheiro Chagas, A Morgadinha de Vale-Flor.
Entretanto,
nesses últimos anos do século XIX e com a proliferação de novas
associações recreativas, Alenquer vê aparecer mais dois teatros, um
agregado à Sociedade União e Recreio, o outro à Sociedade Operária
Alenquerense, que eram, na sua origem, filarmónicas e funcionavam, a
primeira, no edifício da antiga ermida de São Sebastião, na Calçadinha,
a outra, na Arcada do Espírito Santo. Já em vésperas da República, em
1908, se fundou novo grupo dramático, a Academia Democrática
Alenquerense, que veio ocupar este último teatro, o “elegante teatrinho”
da Arcada, como então o classificam.
O teatro recebeu entretanto o nome da actriz alenquerense Ana Pereira.
Ana
Elisa Pereira, de seu nome completo, nasceu no lugar e freguesia dos
Cadafais, concelho de Alenquer, em 1845. Iniciou-se, criança ainda, com
sua irmã, a actriz Margarida Clementina, no teatro Ginásio, onde seu pai
estava empregado. Estreou-se no drama de Brás Martins, Pecados do Século XIX.
Trabalhou na Companhia Dramática, no Porto, Teatro de D. Luís, em
Coimbra, Teatro do Príncipe Real, Teatro Trindade, Teatro D. Maria II e
Teatro D. Amélia, em Lisboa. Participou num dos primeiros filmes
portugueses, O Condenado. Faleceu em 1921.
Com
mais ou menos interrupções, a velha Sociedade Dramática vai cumprindo o
seu papel, com récitas, dramas e comédias, até aos anos trinta ou
quarenta do século XX. Em Fevereiro de 1941 ainda ali se representou Ao de Leve…, revista em dois actos, original de Nemo, em benefício da Misericórdia local.
Entre
1946 e 1955 os espaços ocupados pelo extinto Clube Alenquerense e pelo
teatro, depois de obras de recuperação, servem de sede a uma “Comissão
Pró-Alenquer”, cujo fim era o de realizar espectáculos e festas a favor
do orfanato e das colectividades locais.
Em Maio de 1958 é fundada a Liga dos Amigos de Alenquer, que vem ocupar os mesmos espaços. No ano seguinte, é no palco do Ana Pereira que o recém-criado Rancho Folclórico de Alenquer realiza os seus primeiros ensaios.
De
então até ao presente a Liga dos Amigos de Alenquer tem promovido,
esporadicamente, algumas realizações teatrais. Ciclicamente é necessário
acudir à degradação física do Teatro Ana Pereira para que este possa
continuar a cumprir a sua função. Em 1978 foram feitas aqui obras de
vulto. Actualmente decorre outra campanha de obras, talvez a maior de
todas desde a sua inauguração, depois de, nos últimos anos, a sala ter
chegado a um estado de degradação que impediu qualquer realização.
Ana Pereira
Actriz
N. 27.07.1845
Cadafais, Alenquer
F. 24.06.1921
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